Justiça
e História nas palavras de Barbosa
Por Alessandra Leles Rocha
Longe de cerrar fileira com a imprensa e dispensar
também o meu tempo precioso a falar sobre o Mensalão; afinal, essa nódoa
rançosa no envoltório nacional mostrou que pode sim ser retirada, mesmo em
processo gradual. Quero dedicar-me a discorrer sobre os bons ventos que
trouxeram de volta - ao lugar de onde jamais deveriam ter saído - o esforço, o mérito,
e todos os nobres valores constituintes de um ser humano de bem.
Já faz tempo que Rui Barbosa 1
descreveu em palavras o sentimento incomodativo que perseguia a sociedade
brasileira desde suas origens: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto
ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da
virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”. Mas, não por obra
do acaso, ou simples coincidência, quis a história trazer a mudança pelas mãos
e o trabalho criterioso de outro Barbosa, Joaquim
Benedito Barbosa Gomes 2. Coube ao nobre Ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) a relatoria do caso mais grave de maus hábitos políticos e
sociais do país nos últimos tempos. É! A prática da desonestidade, da corrupção,
do chamado “caixa dois”,... e de toda uma lista de atos reprováveis estava tão
cronificada que não se deu conta de que ela própria se faria arauto da grande devassa,
pela qual se aguardava por mais de quinhentos anos.
O que pensaria o jurista Rui Barbosa, defensor das eleições diretas e
da abolição da escravatura, político relevante na República Velha (ganhando
projeção internacional durante a Conferência da Paz em Haia (1907), defendendo
com brilho a teoria brasileira de igualdade entre as nações), se visse aonde
chegou o nobre colega, negro, oriundo de família humilde, nascido em cidade
pequena do interior de Minas Gerais, aluno de escolas públicas 3? As palavras eu não saberia dizer; mas,
o sentimento de satisfação e orgulho por ele sentidos, eu não tenho dúvida em
afirmar. Ora, Joaquim Barbosa traduziu com excelência os ideais acalentados por
Rui Barbosa!
As páginas da história, dentro e fora do país,
contam a rudeza dos desafios, dos preconceitos a serem enfrentados pelos negros
até alcançarem o direito primaz da igualdade civil 4.
Era quase “um sonho” 5! Mas
houve sempre quem tomasse à dianteira, liderasse a mudança, enfrentasse os
desafios, corresse os riscos, fosse o líder, a centelha da esperança e da motivação;
ainda que a luta parecesse inglória. Que fosse uma ou um milhão de tentativas,
o sabor de lutar palmo a palmo por um espaço, por uma oportunidade, valeria
cada gota de felicidade pela conquista. O tempo, por fim se rendeu e realmente
cuidou para colocar tudo no seu devido lugar, retificar as incorreções,
devolver a vida ao seu trilho justo, livre, fraterno e igualitário!
Então, se torna engraçado, em meio à euforia desencadeada
pelos últimos acontecimentos, ver que muitos têm atribuído ao Ministro um caráter
heroico, quase hollywoodiano 6; talvez,
seja pela tamanha falta de costume em lidar com o que é correto, ético, moral. Ele
fez simplesmente a sua obrigação; e isso no Brasil, até então, é algo
extraordinário, surpreendente! Mas, Joaquim Barbosa é tão somente um homem, um
ser de carne e osso, o qual se diferencia pela sobriedade, pela responsabilidade
e bom senso a conduzirem o seu modo irrepreensível e combativo de trabalho; sem
estrelismos ou arroubos.
Como disse Rui Barbosa, “Se os fracos não tem a
força das armas, que se armem com a força do seu direito, com a afirmação do
seu direito, entregando-se por ele a todos os sacrifícios necessários para que
o mundo não lhes desconheça o caráter de entidades dignas de existência na
comunhão internacional” 7. Estávamos
à deriva, na contramão de todos os valores, desesperançosos, apáticos. Precisávamos
de uma razão visível, concreta, para recobrar os sentidos, romper com a
apologia do “quanto pior melhor”, do “jeitinho”. Agora sim, há esperança! Há argumentos
irrefutáveis para justificar a importância do estudo, a ruptura com a
impunidade, o dualismo entre o certo e o errado, o valor do mérito,... e dessa
forma estabelecer um novo caminho, sobretudo para educar as crianças e os
jovens.
Joaquim Barbosa nos devolveu o sentido para sairmos
de cabeça erguida, para não compactuarmos com “mal feitos” de todos os tipos e
rechaçarmos quaisquer tentativas de realiza-los, para crermos na força do
direito. Dessa forma, além-mar os comentários sobre o país também evidenciaram
uma nova percepção; nada de fanfarrão ou displicente, mas de um país cuja Justiça
está de olhos bem abertos.
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