sábado, 25 de junho de 2016

Um por todos e todos por um. Será?!


Um por todos e todos por um. Será?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

51,9% da população do Reino Unido concordaram, no plebiscito realizado na última quinta-feira, pela saída da União Europeia (UE). Então, não há como não ficar estarrecido depois de uma noticia como esta. Mais do que nunca, a situação pede parar e refletir profundamente sobre o que está submerso nas entrelinhas de uma decisão como esta.

A economia que move o mundo pode concentrar muitas das explicações práticas em relação ao ocorrido; mas, ela não é o suficiente e, talvez, o mais relevante em tudo isso. São as questões identitárias as grandes responsáveis por movimentos de ruptura e isolamento que tem se expandido mundo afora; bem como, pelo ressurgimento exacerbado dos apelos conservadores e de extrema direita, os quais tendem a conduzir as sociedades aos mais perigosos sentimentos de ultranacionalismo 1, como por exemplo, a xenofobia.

Segundo o teórico cultural e sociólogo jamaicano Stuart Hall, A questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada "crise de identidade" é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” 2.

E nesse contexto, Hall acrescenta que, “As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso — um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos (veja Penguin Dictionary of Sociology: verbete "discourse"). As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre "a nação", sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas. Como argumentou Benedict Anderson (1983), a identidade nacional é uma "comunidade imaginada".

Diante dessas considerações é fácil pensar o quanto a globalização e seus desdobramentos, como é o caso da imigração, que afeta diretamente o continente europeu nesse século, representa uma ameaça às identidades pré-concebidas. Desse modo, “A globalização implica um movimento de distanciamento da ideia sociológica clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço" (Giddens, 1990, p. 64) 3.

E o próprio Hall tece considerações sobre a Grã-Bretanha em relação a essas discussões, dizendo que: “Como esta situação tem se mostrado na Grã- Bretanha, em termos de identidade? O primeiro efeito tem sido o de contestar os contornos estabelecidos da identidade nacional e o de expor seu fechamento às pressões da diferença, da "alteridade" e da diversidade cultural. Isto está acontecendo, em diferentes graus, em todas as culturas nacionais ocidentais e, como consequência, fez com que toda a questão da identidade nacional e da "centralidade" cultural do Ocidente fosse abertamente discutida. Num mundo de fronteiras dissolvidas e de continuidades rompidas, as velhas certezas e hierarquias da identidade britânica têm sido postas em questão. Num país que é agora um repositório de culturas africanas e asiáticas, o sentimento do que significa ser britânico nunca mais pode ter a mesma velha confiança e certeza. O que significa ser europeu, num continente colorido não apenas pelas culturas de suas antigas colônias, mas também pelas culturas americanas e agora pelas japonesas? A categoria da identidade não é, ela própria, problemática? E possível, de algum modo, em tempos globais, ter-se um sentimento de identidade coerente e integral? A continuidade e a historicidade da identidade são questionadas pela imediatez e pela intensidade das confrontações culturais globais. Os confortos da Tradição são fundamentalmente desafiados pelo imperativo de se forjar uma nova auto interpretação, baseada nas responsabilidades da Tradução cultural (Robins, 1991, p. 41)” 4.

No entanto, embora tentemos pensar a complexidade de tudo isso na ótica da decisão de quinta-feira; a verdade é que as transformações do mundo são um fato, o qual não é possível voltar atrás ao que o mundo pós-moderno já nos impôs. Qualquer país que tente lutar contra o fluxo natural dos movimentos que regem a sociedade estará promovendo um desequilíbrio muito maior para si mesmo. Ainda que a escolha tenha sido democrática, ao contrário do que pensaram os 51,9% da população do Reino Unido, a consequencia imediata dela foi fortalecer a sua própria vulnerabilidade, na medida em que o resultado sustenta o fomento de discursos altamente conservadores que tentam se firmar novamente na Europa. Lembrando que foram esses mesmos discursos que conduziram o mundo à Segunda Guerra Mundial; daí a imensa preocupação que toma conta de todos.  

As tensões que se emergem de um passo como esse são incalculáveis.  Há muita coisa em jogo para milhões de pessoas, não apenas dentro da Grã-Bretanha ou da Europa como um todo, as quais abrangem os diversos tipos de relação social existentes. As rupturas no mundo pós-moderno podem cobrar um ônus muito maior do que a construção de um modelo de cooperação mútua entre os países. Nenhum estado pode se afirmar verdadeiramente autossuficiente. Não é à toa os esforços implementados pela Organização das Nações Unidas (ONU), no sentido de propor metas que visem fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável e a paz 5.

Portanto, cabe aos britânicos e não britânicos a reflexão acerca dos seus valores, comportamentos, escolhas, ou seja, na repercussão da sua cidadania. O voto é uma conquista valiosa na história da democracia mundial; mas, também, um passo de grande responsabilidade. O ser humano não vive só dos seus direitos; todo direito implica em dever, em obrigação e, por essa razão, em assumir as consequências de seus atos e omissões. A história escreve mais uma página, mais uma lição para o hoje e o amanhã; resta-nos, então, aprender e apreendê-la.



1 Ultranacionalismo refere-se a ideologias político-filosóficas de extrema direita, de teor populista e chauvinista. O Ultra-Nacionalismo traz o sentimento de amor à Nação Ufanizada, com o sistema Conservador, que se torna uma forma política de teor populista. A base do Ultra-nacionalismo é o Nacionalismo comum, que sozinho não se trata de uma forma de pensamento político. O ultranacionalismo supõe a homogeneidade étnica como base da manutenção da ordem política e social. A partir desse pressuposto, são legítimas as medidas de limpeza étnica. [...] http://dicionarioportugues.org/pt/ultranacionalismo

2 HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade, DP&A Editora, 1ª edição em 1992, Rio de Janeiro, 11ª edição em 2006, 102 páginas, tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro.
3 GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990.
4 HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade, DP&A Editora, 1ª edição em 1992, Rio de Janeiro, 11ª edição em 2006, 102 páginas, tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro.
5 The Global Goals - http://www.globalgoals.org/pt/

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