quinta-feira, 27 de julho de 2017

"E gosto, à noite, de escutar as estrelas. É como ouvir quinhentos milhões de guizos... Mas eis que acontece uma coisa extraordinária". O Pequeno Príncipe

Tá me ouvindo???

  

Por Alessandra Leles Rocha


  
Cada um no seu casulo. Fones de ouvido na orelha. Lá se vão os humanos do século XXI.  Absorvidos pelo hit parede particular e o volume no máximo da potência; é claro que não sobra espaço para mais nada além do seu próprio mundinho. E isso não é comportamento juvenil, não! Todos os gêneros, etnias, idades, profissões já estão rendidos a essa práxis.
Modismos à parte, a verdade é que esse, aparentemente inofensivo, hábito esconde mais prejuízos do que se pensa. Nada contra ouvir música (principalmente, boa música) ou desanuviar a mente de vez em quando. A questão é transformar isso em rotina, a tal ponto que não enxergamos mais a nós e ao mundo.
Seja no transporte público, nas ruas, nas filas, em todos os lugares por onde transitamos há pessoas personificando esse padrão comportamental. Observando com certa atenção é impossível não perceber nelas um traço comum, como se estivessem em transe. Não percebem nada, nem ninguém. O seu isolamento voluntário as coloca em risco real e imediato, pois não estão conectadas à dinâmica da realidade dos centros urbanos.
Lá se vão elas alheias à beleza trivial da natureza. Não enxergam mais o nascer ou o por do sol. Nem as borboletas pelos jardins. Nem as flores multicoloridas espalhadas pelo chão. Nem arco-íris durante ou depois da chuva. O mundo parece sempre cinza e estático. Também não se socializam. Não conversam entre si. Não se olham. Não se interagem, ao ponto de não pressentirem a eventual existência da violência que teima em nos rodear. 
Nesse pouco tempo de reflexão, quantas perdas é possível identificar? Mas, há muito mais. Incluindo a própria perda auditiva. Nossos ouvidos não foram feitos para serem submetidos à intensidade e repetição de ruídos dessa forma. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “1,1 bilhão de pessoas podem ter perdas auditivas porque escutam música alta. Atualmente, problemas de audição provocados por causas diversas já afetam 360 milhões de indivíduos, dos quais 32 milhões são crianças” 1
Isso significa que a população está negligenciando a saúde auditiva e caminhando a passos largos para a surdez e para a ampliação do contingente de pessoas com algum tipo de deficiência, que no caso do Brasil, por exemplo, representam 24% da população 2. Como qualquer deficiência, a surdez implicará em inúmeros desafios sociais para o cidadão, os quais incluem desde a readaptação comunicativa até a reinserção no mercado de trabalho. 
Apesar de todos os avanços da ciência e tecnologia, nem todas as pessoas surdas conseguem uma satisfatória adaptação aos aparelhos auditivos ou outros tratamentos e cirurgias, por exemplo. Da mesma forma que nem todas as escolas estão preparadas para atender as demandas dos deficientes auditivos. A acessibilidade a materiais didáticos e paradidáticos para o ensino-aprendizagem de surdos ainda é baixa. Enfim... 
E se ainda não nos sensibilizamos o suficiente, pode-se acrescentar nesse rol de obstáculos o alto custo de investimentos para garantir o mínimo de dignidade a essas pessoas. Seja por via pública ou privada, a excepcionalidade da condição humana impõe a necessidade de recursos especiais. Por isso é fundamental sermos mais responsáveis em relação aos nossos comportamentos. Não se trata de interferirmos na liberdade individual, mas de tomarmos consciência do impacto coletivo que nossas escolhas podem ocasionar e repercutir em longo prazo.
Essa é uma questão de saúde pública? Sim; mas, também, de educação, de responsabilidade parental, de economia, de trabalho... e, sobretudo, de amor próprio, de deixar o instinto de sobrevivência e proteção inatos falar mais alto. Eu sei que ninguém quer ouvir conselhos e reflexões; mas, posso garantir que sem esses, você certamente deixará de ouvir todo o resto. Pense nisso!

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